Quanto vale a NFT?

O aquecimento global sempre foi das minhas maiores preocupações. O tema me apavora desde que, quando eu era pequeno, tomei conhecimento dele. Fiquei apavorado quando vi uma reportagem no Fantástico sobre Tsunamis (bem antes daquele que afetou a Ásia), e  que esses poderiam ser agravados pelo aumento do nível dos oceanos – na verdade tive vários pesadelos sobre isso. Um dia vi alguém na TV falando que o Brasil receberia um evento muito importante, chamado “Eco 92”. Na banca de revistas perto de casa comprei uma edição da Superinteressante, que trazia uma matéria sobre a Convenção. Lendo, descobri que o objetivo era debater o Efeito Estufa, responsável pelas mudanças climáticas, e buscar formas de reduzi-lo. Será que daria pra frear os tsunamis?

Na época, se falava da importância de diminuir as emissões de gás carbônico, vindos dos escapamentos de carros, das chaminés das fábricas e até dos desodorantes. Ninguém, porém, falava que a arte poderia ser uma fonte dessa substância. Com o tempo, eu conheceria termos como “pegadas de carbono” e entenderia que, ao se transportar numa turnê, uma grande banda como o U2 ou o Rolling Stones podia deixar várias pegadas como essa. Alguma dessas bandas, aliás, também despertaram para esse tema e, a partir daí, passaram a se preocupar com a redução desse rastro: com essa preocupação, os ingleses Radiohead, Coldplay e Massive Attack adotaram medidas para neutralizar – ou ao menos reduzir – o impacto ambiental de suas turnês. As artes plásticas também representavam risco ao meio-ambiente. Quando o acervo de um museu ou um artista é transportado para outro país, o transporte é feito pelos mesmos aviões de carga que carregam os equipamentos dos rock stars. 

Mas até sem transporte intercontinental a arte pode causar danos à camada de ozônio. Isso eu só descobri outro dia. Duas semanas atrás, para ser mais exato. Lendo uma matéria da Wired, conheci a história do artista francês Joanie Lemercier. Há dois anos, preocupado com suas próprias pegadas de carbono, a exemplo das bandas das quais deve ser fã, Lemercier decidiu reduzir suas participações em exposições, além do consumo de energia em seu estúdio, localizado em Bruxelas. Com isso, diminuiu em 10% seu consumo de energia por ano. Ótimo, não? Só que as melhores intenções do artista não resistiram à sua entrada no mundo da NFT. Sigla em inglês para Arte Não Fungível, NFT dá nome a uma nova categoria de arte, que existe apenas no ambiente digital, como um meme – que, inclusive, pode ser um NFT. Como qualquer peça de arte original, cada NFT é única, inalterável, e vem com atestado de autenticidade. 

Photo: Activism CryptoArt by Joanie Lemercier (2021)

Bastaram 10 segundos para seis obras de Lemercier serem vendidas e ele faturar uma fortuna considerável. O problema é que o maior custo foi pago pela natureza. Mesmo tendo durado o intervalo entre dois piscares de olhos, o evento consumiu energia equivalente ao que o artista gasta em seu estúdio em 2 anos. E, ao serem revendidas pouco depois, as obras foram responsáveis por outro gasto de energia, desta vez equivalente a um ano do estúdio de Lemercier. Isso aborreceu muito o artista, tão preocupado com suas emissões de carbono. Mas não despertou em seus colegas a mesma consciência. Muitos deles, recém-convertidos em milionários, preferiram ignorar o impacto ambiental de sua nova fonte de fortuna. 

Em menor escala, aliás, é o que quase todos nós fazemos. Quantos não preferem focar no bem que um demorado banho quente faz, ao invés de pensar que o tal banho pode contribuir para a deterioração da camada de ozônio? O mesmo vale para os carros e para todos os confortos da vida moderna, dos quais não estamos dispostos a abrir mão tão facilmente. 

A questão, levantada por Memo Akten, outro artista digital, é que enquanto buscamos novas formas de viver que gerem menos impacto ambiental, não faz sentido criarmos algo que, logo de cara, não leve isso em consideração. E como pode a NFT, uma forma de arte que nem existe no mundo físico, ter essa culpa? A resposta está no outro nome pelo qual a NFT é conhecida: Crypto Art. Todas as transações com essas obras se dão no ambiente virtual. As negociações são feitas com criptomoeda. Todo o sistema é baseado no uso de uma rede de computadores que verificam e validam as transações e, ao fazer isso, consomem energia equivalente ao consumo de pequenos países inteiros. O mercado da arte digital adota para isso a plataforma de blockchain Ethereum. Como boa parte da economia dos Estados Unidos, a Ethereum faz uso de energia fóssil, provida por usinas elétricas à base de carvão. Estuda-se transferir as operações para outro estado norte-americano, onde a energia seja provida por hidroelétricas. Mas seria uma operação demorada, que levaria anos. Até lá, muita NFT vai ser negociada.  

Photo: Eletronic Superhighway by Nam June Paik: Continental U.S., Alaska and Hawaii, 1995. Conservada no Smithsonian American Art Museum, Washington

Produzir e consumir arte é uma das coisas que nos tornam humanos. As novas formas de arte surgidas com a evolução tecnológica nos proporcionam novos canais de expressão, o que enriquece o conteúdo e a forma. Nada mais válido. Só precisamos atentar para que a natureza não seja penalizada no processo. Afinal, se a arte é o que nos possibilita ser humanos, o meio-ambiente é o que permite que vivamos.

Crossing Realities

A primeira vez em que ouvi falar em Realidade Virtual, não demorou nada para eu entender do que se tratava. “Ah, é como naqueles jogos do Master System.” Era o comecinho dos anos 1990, “Estamos sendo atacados. Usem como pistolas light phaser, óculos 3D e boa sorte. ” Na próxima cena, os soldados desciam de um helicóptero prontos para o combate, óculos na cara e pistola na mão, exatamente como o guri que aparecia logo em seguida, mas jogando no seu quarto. Uma matemática simples: guri + óculos 3D / pistola = soldado. Aquilo era Realidade Virtual, entendeu? E depois dessa experiência, o pequeno Cassio estava pronto para dar um workshop sobre Realidade Virtual. 

Assault City (Sega Master System) – 1990

Nesse meu workshop, entretanto, claro, faltaria um bocado de informação. Para começar, eu não sabia que o termo havia sido criado não muito antes, em 1987, por um cara chamado Jaron Lanier. Com sua equipe de engenheiros e cientistas, além do termo, Lanier foi o responsável pelo desenvolvimento da tecnologia propriamente dita. Financiada pelo governo dos Estados Unidos, sua pesquisa se mostra muito útil para o Departamento de Defesa Americano e para a NASA. Útil e barato: todos os milhões de dólares investidos revelaram-se uma pechincha quando esses órgãos se deram conta de que não precisavam arriscar vidas e equipamentos reais para treinar soldados, pilotos e astronautas. Uma lição óbvia, mas frequentemente esquecida: dinheiro em pesquisa não é gasto; é investimento. 

Utilizando computação gráfica nunca vista até então, os simuladores imitavam as condições encontradas no campo de batalha e nas missões espaciais. Claro, não demorou para a indústria do entretenimento comprar a ideia e adaptar a tecnologia para a gurizada. Daí para os videogames e o incrível comercial do Master System, foi um pulo. Grande sacada, Stefano Arnhold. Aliás, pesquisem sobre. Brasileiro, o Stefano foi o responsável por trazer essa tecnologia para cá. 

Desde então, as possibilidades da Realidade Virtual se expandiram muito além do uso militar e dos games – que, como sabemos, aprimoraram e continuam usando a tecnologia. Hoje, além de treinar os soldados para batalhas, as forças armadas dos Estados Unidos empregam a Realidade Virtual quando eles voltam para casa, os ajudando a superar os traumas de guerra. E por que não usar a Realidade Virtual para resolver as guerras logo de uma vez, né? Em vez de soldados, os países poderiam convocar os melhores jogadores de videogame. Penso nisso o tempo todo. E, como já sabem, eu não estaria jogando, mas consertando os equipamentos dos soldados.

O futuro previsto por livros, filmes e videogames, a humanidade estará mais do que parcialmente envolvida num ambiente virtual paralelo. A próxima fronteira da Internet é o mundo Phygital, uma nova realidade onde os mundos físico e digital colidem para criar um domínio abrangente de trabalho, diversão, comércio e interação social no ciberespaço.

No clássico “Matrix”, a humanidade se vê reduzida à condição de bateria de energia para as formas de vida mecânicas que assumem o controle do planeta. Para continuar desempenhando essa função sem incomodar as máquinas, humanos têm seus corpos coletivos em animação suspensa, enquanto suas mentes habitam outra realidade, igual à que vivemos: a Matrix. Quantas vezes você já sabe alguém se refere ao que parece ser a vida assim? Eu mesmo, confesso, já falei isso algumas vezes. Quem nunca?  

O fato é que a imersão na Realidade Virtual como mostrada pela ficção não passa disso. A tecnologia nunca nos substituirá. Pelo contrário, ela ajudará a redefinir o papel da humanidade, expandindo o nosso kit criativo de ferramentas. E a pandemia foi um acelerador dessa realidade. Com a distância física não mais limitando nossas esferas sociais, aprendemos como fazer novas conexões por meio de nossas telas, a nos reunir em mundos virtuais compartilhados como o TikTok, o Reels e o Zoom. 

Pode soar como ficção científica, mas os primeiros estágios do Metaverso já chegaram. O Metaverso nada mais é do que a Realidade Virtual com outro nome. Bom, talvez o conceito seja um pouco diferente. Afinal, enquanto na RV você embarca num ambiente virtual, no Metaverso são os elementos virtuais que chegam à nossa realidade. Com o auxílio de óculos especiais – descendentes dos 3D –, visualizaremos ferramentas de trabalho, rotas de trânsito e até o nome daquele colega, que começou agora no escritório. A ajuda que a tecnologia nos dá e nos dará num futuro bem próximo, será ainda mais efetiva e orgânica. 

Mas o Metaverso promete ir além. Como resultado da combinação de VR e AR, tecnologia sensorial, recursos de IoT e software de construção de mundo, nascerá uma nova geração de criadores, que usará a tecnologia para construir o futuro da arte, do comércio e da própria realidade. E, sim, vai se aproximar do conceito ao qual fomos familiarizados pela ficção científica, como escreveu o jornalista Kevin Kelly – com quem tive o orgulho de co-apresentar um workshop na ZENVIA -, num artigo intitulado “Welcome to the Mirrorworld” (“Bem-vindo ao Mundo do Espelho”) publicado pela Wired, onde a realidade aumentada vai ser a base de uma nova plataforma em que tudo o que você conhece terá um correspondente: sua casa, seu escritório, seu país e até sua vida. Sim, tipo o Second Life, mas além.  

Imagem de Kevin Kelly – Illustrated by artist: Drew Pearce (2021)

Metaverso é mais um termo que veio da ficção científica. Aparece pela primeira vez em “Nevasca”, livro publicado por Neal Stephenson em 1992, no tempo em que ouvi falar de Realidade Virtual pela primeira vez. Na história, o protagonista Hiro transita entre dois mundos, o físico e o virtual. Num deles, é um entregador de pizza, no outro um samurai. Em ambos, é um herói. Lembrou do Neo de “Matrix”? Claro, esta foi uma das fontes de inspiração do filme.

Metaverso, Matrix, Realidade Virtual. Escolha o nome que mais lhe agradar. O que todas essas ferramentas têm em comum, é que elas estão nivelando a criatividade como um todo, redefinindo o papel do criador e descentralizando a inspiração criativa. Com a natureza humana agora hiperconectada, temos acessos a diferentes mundos experimentais, temos a liberdade de expressar diferentes identidades online e a capacidade de nos conectar e realizar projetos colaborativos em toda e qualquer parte do planeta. 

E como uma forma de recompensa por todos esses aprimoramentos e glórias tecnológicas, nós, humanos, teremos a chance de descansar. Teremos tempo para buscar e descobrir um novo equilíbrio, nos reconectar com a natureza de nossa humanidade. Vamos vivenciar um crescente interesse em direção à valorização da sabedoria tradicional. Veremos emergir métodos de cura antigos, como orientações xamânicas, medicamentos intuitivos, etnobotânica ou medicina baseada em plantas. Reaprender a pensar por meio de nossos sentidos é essencial nesse estágio de aperfeiçoamento da humanidade, o meio para atingirmos o equilíbrio entre a revolução tecnológica e a evolução humana. 

Ao contrário dos filmes de ficção, que colocam máquinas e humanos como rivais, é através da tecnologia que teremos a chance de dobrar a nossa capacidade de humanidade.