Crossing Realities

A primeira vez em que ouvi falar em Realidade Virtual, não demorou nada para eu entender do que se tratava. “Ah, é como naqueles jogos do Master System.” Era o comecinho dos anos 1990, “Estamos sendo atacados. Usem como pistolas light phaser, óculos 3D e boa sorte. ” Na próxima cena, os soldados desciam de um helicóptero prontos para o combate, óculos na cara e pistola na mão, exatamente como o guri que aparecia logo em seguida, mas jogando no seu quarto. Uma matemática simples: guri + óculos 3D / pistola = soldado. Aquilo era Realidade Virtual, entendeu? E depois dessa experiência, o pequeno Cassio estava pronto para dar um workshop sobre Realidade Virtual. 

Assault City (Sega Master System) – 1990

Nesse meu workshop, entretanto, claro, faltaria um bocado de informação. Para começar, eu não sabia que o termo havia sido criado não muito antes, em 1987, por um cara chamado Jaron Lanier. Com sua equipe de engenheiros e cientistas, além do termo, Lanier foi o responsável pelo desenvolvimento da tecnologia propriamente dita. Financiada pelo governo dos Estados Unidos, sua pesquisa se mostra muito útil para o Departamento de Defesa Americano e para a NASA. Útil e barato: todos os milhões de dólares investidos revelaram-se uma pechincha quando esses órgãos se deram conta de que não precisavam arriscar vidas e equipamentos reais para treinar soldados, pilotos e astronautas. Uma lição óbvia, mas frequentemente esquecida: dinheiro em pesquisa não é gasto; é investimento. 

Utilizando computação gráfica nunca vista até então, os simuladores imitavam as condições encontradas no campo de batalha e nas missões espaciais. Claro, não demorou para a indústria do entretenimento comprar a ideia e adaptar a tecnologia para a gurizada. Daí para os videogames e o incrível comercial do Master System, foi um pulo. Grande sacada, Stefano Arnhold. Aliás, pesquisem sobre. Brasileiro, o Stefano foi o responsável por trazer essa tecnologia para cá. 

Desde então, as possibilidades da Realidade Virtual se expandiram muito além do uso militar e dos games – que, como sabemos, aprimoraram e continuam usando a tecnologia. Hoje, além de treinar os soldados para batalhas, as forças armadas dos Estados Unidos empregam a Realidade Virtual quando eles voltam para casa, os ajudando a superar os traumas de guerra. E por que não usar a Realidade Virtual para resolver as guerras logo de uma vez, né? Em vez de soldados, os países poderiam convocar os melhores jogadores de videogame. Penso nisso o tempo todo. E, como já sabem, eu não estaria jogando, mas consertando os equipamentos dos soldados.

O futuro previsto por livros, filmes e videogames, a humanidade estará mais do que parcialmente envolvida num ambiente virtual paralelo. A próxima fronteira da Internet é o mundo Phygital, uma nova realidade onde os mundos físico e digital colidem para criar um domínio abrangente de trabalho, diversão, comércio e interação social no ciberespaço.

No clássico “Matrix”, a humanidade se vê reduzida à condição de bateria de energia para as formas de vida mecânicas que assumem o controle do planeta. Para continuar desempenhando essa função sem incomodar as máquinas, humanos têm seus corpos coletivos em animação suspensa, enquanto suas mentes habitam outra realidade, igual à que vivemos: a Matrix. Quantas vezes você já sabe alguém se refere ao que parece ser a vida assim? Eu mesmo, confesso, já falei isso algumas vezes. Quem nunca?  

O fato é que a imersão na Realidade Virtual como mostrada pela ficção não passa disso. A tecnologia nunca nos substituirá. Pelo contrário, ela ajudará a redefinir o papel da humanidade, expandindo o nosso kit criativo de ferramentas. E a pandemia foi um acelerador dessa realidade. Com a distância física não mais limitando nossas esferas sociais, aprendemos como fazer novas conexões por meio de nossas telas, a nos reunir em mundos virtuais compartilhados como o TikTok, o Reels e o Zoom. 

Pode soar como ficção científica, mas os primeiros estágios do Metaverso já chegaram. O Metaverso nada mais é do que a Realidade Virtual com outro nome. Bom, talvez o conceito seja um pouco diferente. Afinal, enquanto na RV você embarca num ambiente virtual, no Metaverso são os elementos virtuais que chegam à nossa realidade. Com o auxílio de óculos especiais – descendentes dos 3D –, visualizaremos ferramentas de trabalho, rotas de trânsito e até o nome daquele colega, que começou agora no escritório. A ajuda que a tecnologia nos dá e nos dará num futuro bem próximo, será ainda mais efetiva e orgânica. 

Mas o Metaverso promete ir além. Como resultado da combinação de VR e AR, tecnologia sensorial, recursos de IoT e software de construção de mundo, nascerá uma nova geração de criadores, que usará a tecnologia para construir o futuro da arte, do comércio e da própria realidade. E, sim, vai se aproximar do conceito ao qual fomos familiarizados pela ficção científica, como escreveu o jornalista Kevin Kelly – com quem tive o orgulho de co-apresentar um workshop na ZENVIA -, num artigo intitulado “Welcome to the Mirrorworld” (“Bem-vindo ao Mundo do Espelho”) publicado pela Wired, onde a realidade aumentada vai ser a base de uma nova plataforma em que tudo o que você conhece terá um correspondente: sua casa, seu escritório, seu país e até sua vida. Sim, tipo o Second Life, mas além.  

Imagem de Kevin Kelly – Illustrated by artist: Drew Pearce (2021)

Metaverso é mais um termo que veio da ficção científica. Aparece pela primeira vez em “Nevasca”, livro publicado por Neal Stephenson em 1992, no tempo em que ouvi falar de Realidade Virtual pela primeira vez. Na história, o protagonista Hiro transita entre dois mundos, o físico e o virtual. Num deles, é um entregador de pizza, no outro um samurai. Em ambos, é um herói. Lembrou do Neo de “Matrix”? Claro, esta foi uma das fontes de inspiração do filme.

Metaverso, Matrix, Realidade Virtual. Escolha o nome que mais lhe agradar. O que todas essas ferramentas têm em comum, é que elas estão nivelando a criatividade como um todo, redefinindo o papel do criador e descentralizando a inspiração criativa. Com a natureza humana agora hiperconectada, temos acessos a diferentes mundos experimentais, temos a liberdade de expressar diferentes identidades online e a capacidade de nos conectar e realizar projetos colaborativos em toda e qualquer parte do planeta. 

E como uma forma de recompensa por todos esses aprimoramentos e glórias tecnológicas, nós, humanos, teremos a chance de descansar. Teremos tempo para buscar e descobrir um novo equilíbrio, nos reconectar com a natureza de nossa humanidade. Vamos vivenciar um crescente interesse em direção à valorização da sabedoria tradicional. Veremos emergir métodos de cura antigos, como orientações xamânicas, medicamentos intuitivos, etnobotânica ou medicina baseada em plantas. Reaprender a pensar por meio de nossos sentidos é essencial nesse estágio de aperfeiçoamento da humanidade, o meio para atingirmos o equilíbrio entre a revolução tecnológica e a evolução humana. 

Ao contrário dos filmes de ficção, que colocam máquinas e humanos como rivais, é através da tecnologia que teremos a chance de dobrar a nossa capacidade de humanidade.